CARTA DE PRINCÍPIOS DO NEODEÍSMO:
O Neodeísmo
aqui proposto tem como objetivo possibilitar a aglutinação de deístas que
consintam em certos parâmetros pelos quais se identifiquem. Os princípios
abaixo são posturas filosóficas deístas, mas devidamente selecionados e organizados
de forma a possibilitar um perfil diante da diversidade de posturas filosóficas
que o deísmo possibilita sendo que a ideia de um neodeísmo como proposto aqui não supera ou sobrepõe (o que seria uma pretensão ridícula) o deísmo em si, apenas converge pessoas de posturas afins.
Esta
seleção e organização de posturas filosóficas deístas para possibilitar o associativismo não configura um dogmatismo proposto, de forma alguma, somente
fornece um conjunto de princípios que dão identidade a um tipo e grupo
específico de deístas que se se sintam atraídos por afinidade a estas posturas
e pensamentos:
1. SOBRE A BASE NEODEÍSTA: O Neodeísmo proposto sustenta-se
sobre a raiz do deísmo como é conhecido, que tem por fundamento aceitar a
existência de um Princípio Criador da vida e do Universo, não antropomórfico, não
se submetendo à crença da revelação divina, de definições dogmáticas ou em especulações
sobre mundos sobrenaturais. O deísmo, e por isto assim também o neodeísmo
sustenta-se na convicção que o conhecimento sobre Deus é alcançado com a razão
e com a evolução da consciência, contemplação e conhecimento do universo, e não
com práticas religiosas.
2. SOBRE DEUS: A postura neodeísta rejeita a
acusação generalizada contra a filosofia deísta de que esta trata de um Deus
abstrato e ausente. Partimos do princípio de que Deus é a Força Criadora que deu origem ao Universo e faz-se presente
enquanto Inteligência, sensível no
Universo e perscrutável enquanto transmutada em Leis Naturais e Eternas que
regem sua Criação de forma inexorável, a exemplo da Causa e Efeito, Equilíbrio e Evolução,
estas e outras, sempre perscrutáveis pelo uso da razão e sensibilidade
concomitantes, portanto esta forma de conceituar Deus torna-o presente, e não
ausente, atuando tanto sobre o universo físico quanto sobre os movimentos da
vida do homem e da natureza formando um sistema complexo que requer ser
investigado e compreendido aonde não nos cabe dogmatizá-lo, mas sim estuda-lo e
melhor compreendê-lo.
3. SOBRE O MAL: A postura
neodeísta igualmente rejeita a acusação contra a filosofia deísta de que esta
cria a concepção de um Deus que fez sua criação e a abandonou a si própria, indiferente
ao mal que padece a humanidade. Não
necessariamente o deísmo está atrelado a ideia de que Deus “abandonou” sua
Criação, esta parece muito mais uma definição criada como reação de teístas em
relação ao deísmo, difamando o mesmo. Muitos filósofos deístas falam das Leis
Naturais, como a própria evolução assim o é, uma Lei atuante em todo o universo
(o que inclui o homem), desta forma Deus estaria manifestado em suas próprias
Leis inexoráveis, a atuação das Leis é em si a atuação da Vontade da
Inteligência Universal (Deus). O que o deísmo não admite é um Deus
antropomórfico, fruto de mitologias e superstições, que, segundo acreditam os
teístas está cuidando de sua criação, pode atuar arbitrariamente e
individualmente, pode infringir se assim quiser suas próprias Leis Naturais,
pode intervir na vida de cada homem... Justamente a indignação ao longo da
história, com as catástrofes, os genocídios, as injustiças sociais, os crimes
hediondos, é que causa o rechaço à visão de um Deus que poderia ter agido e não
agiu, dando força ao pensamento ateísta. Na visão deísta, somos os únicos
responsáveis por nossas misérias ou felicidade, mas inevitavelmente devemos nos
alinhar com as Leis Naturais, como a Lei de Evolução, para que não soframos as consequências
(Lei de Causa e Efeito), nesta visão a Vontade da Inteligência Universal está o
tempo todo presente, e não ausente.
4. SOBRE O TEÍSMO: Os neodeístas não se fazem
inimigos do teísmo, simplesmente veem o teísmo como uma fé alheia aos seus
princípios e veem seus livros sagrados como obras humanas, estes livros são a representação da
crença na existência de Deus sob condições histórico-culturais, prefere a
convivência fraterna com teístas, agnósticos e ateus, que é possível desde que
não haja o fanatismo, a ignorância e a falta de ética, com a ressalva de que convivência respeitosa e fraterna não significa abdicar de debates sadios e inteligentes a respeito do tema aqui pertinente. O neodeísta não repudia
abrir um livro religioso e encontrar nele material para reflexão filosófica
espiritualista, assim como o faz com a mesma naturalidade em livros de mitologia, na
filosofia, na arte e na ciência, mas exerce o direito de questionar aquilo que
é contrário à razão, selecionando o conhecimento essencial e não aceitando por
verdade factual aquilo que para ele é apenas metafórico, alegórico ou
superstição.
5. SOBRE A DIVULGAÇÃO: É natural que quem goste de
algo recomende, divulgue, mas o deísmo ou uma associação de neodeístas não deve
ter por objetivo querer tirar a crença religiosa de alguém o trazendo para o
deísmo ou para a associação, não sendo proselitista busca somente aglutinar pessoas
já de inclinação deísta afins com a filosofia do neodeísmo proposto. O
neodeísmo não se presta a converter por não ser uma doutrina de salvação, é
somente o princípio de uma caminhada pessoal, de foro íntimo, porém que pode e
deve ser investigada e compartilhada em coletividade com o fim de aprimoramento
através da troca e ampliação do entendimento para proporcionar uma
espiritualidade à luz da razão e da justiça. Em uma democracia em questões como
estas deve ser respeitado o direito de escolha prevalecendo a tolerância, o respeito,
a boa convivência e a observação às leis laicas, aonde cada um escolherá seu
caminho podendo observar os resultados obtidos e a vivência dos demais querendo
ou não o mesmo para sua vida. A História e a Evolução se encarregarão de
destacar os resultados e progresso de cada escolha.
6. SOBRE O PERFEIL DO NEODEÍSTA: O neodeísta é aquele deísta
sereno, que não repudia a religiosidade, respeitando o direito de liberdade
religiosa, mas repudia, isto sim, a ignorância, a hipocrisia e o fanatismo,
estejam estes na religião, nas escolas, na política ou em ideologias. Uma
opinião ou crença não pode ser forçada como imposição, por isto o neodeísmo
deve continuar defendendo a total separação de Estado e religiões, defendendo o
pensamento progressista e democrático ao entender-se que a sociedade não pode
ser regida por opiniões particulares de um grupo específico sem
contextualização lógica, amplamente investigada e debatida.
7. SOBRE A ESPIRITUALIDADE: Em relação ao tema “espírito” os
neodeístas em particular passam a ser aqueles deístas que aceitam e comungam do
conceito de que o homem possui uma essência espiritual, comumente chamada de
partícula divina ou espírito – não antropomórfico – que está cumprindo um
projeto de evolução analogamente ao Universo como um todo, e que no homem passa
pelo autoaperfeiçoamento, mas preferem abster-se de qualquer tentativa de tecer cenários de
uma dimensão destinada à vida após a morte tal como fazem as religiões e esoterismos, simplesmente atendo-se à ideia de que este nosso espírito é uma partícula em evolução como assim é tudo na Natureza.
Possui
sua convicção na eternidade desta jornada sem dogmatizá-la e sem afligir-se por não ter
respostas prontas, mantendo sua mente aberta diante das incertezas preferindo o
caminho da ciência e da razão para ir formando melhores entendimentos. Os neodeístas sempre defenderão
o direito de o homem ser livre-pensador em sua infinita busca pela verdade e
conhecimento, no sentido da mais genuína mensagem de Sócrates, mas lembrando
sempre que a liberdade de pensar não pode servir de escudo para crenças
infundadas ou fantasias tratadas como verdades.
8. SOBRE A RAZÃO E
A JUSTIÇA: Um
novo deísmo deve continuar reafirmando a ideia Iluminista do uso da razão e da justiça
para resolver os problemas que afligem a humanidade, para construir uma
sociedade melhor e mais feliz, mas a proposta de um neodeísmo deve ser a de
principiar pela própria vida aonde este novo deísta alia seu sentimento
deístico com uma busca pela sua evolução pessoal, exigindo não apenas razão e
justiça na sociedade, mas começando em si mesmo, no esforço diário por atuar
mais com mais razão e justiça em sua própria forma de pensar, de agir e de
falar, para depois vê-las como reflexo social. Dentro do contexto de justiça social, o estudo sobre a importância da filantropia e sua prática são preocupações dos neodeístas, ainda que não seja o objetivo da associação em si cabe as seus membros levarem este entendimento e prática para suas vidas.
9. SOBRE O ENRIQUECIMENTO
CULTURAL: O
neodeísmo deve também buscar o enriquecimento cultural não apenas individual,
mas também coletivamente, ampliando o entendimento na troca com os demais, reunindo
simpatizantes e organizando grupos de estudos e palestras para formar um
constructo neodeísta, estimulando a visão holística e interdisciplinar do
deísmo em relação a outras filosofias e ciências humanas, devendo informar-se e
enriquecer-se culturalmente sobre a exemplo o estudo comparativo da história
das religiões, filosofia, mitologias, história da humanidade, antropologia, ciências
e artes, preferencialmente sem extraviar-se da postura filosófica referida. O neodeísta deve ser alguém que dedica parte de seu tempo livre em leitura, estudo e investigação de temas tanto para seu enriquecimento cultural como para poder compartilhar em seu grupo de estudos promovendo profícuos diálogos em conjunto.
10. SOBRE O ESTUDO NA BUSCA DO
AUTOCONHECIMENTO: Na busca do aprimoramento
pessoal através da proposta do novo deísmo vivencial, igualmente o neodeísta deve dedicar parte de seu tempo livre na busca do autoconhecimento, na busca por alinhar "pensamento, palavra e ação". Deve ser valorizado o
estímulo da investigação conceitual e prática das virtudes (a exemplo: a amizade, o respeito, a paciência, a
tolerância, a perseverança, a caridade,
a resignação, confiança, prudência, generosidade, temperança, coragem,
compaixão, gratidão, simplicidade, humildade, obediência, superação, liberdade,
igualdade, amor, entre outros a serem investigados e
propostos), dos valores e da moral, a educação de si mesmo e de nossos filhos, aliados à
constante busca pelo saber identificando e atuando nas causas da infelicidade
humana, trabalhando para superar a ignorância e a hipocrisia em si mesmo e na
sociedade. É importante nortear estes estudos com reflexões introspectivas,
tais como: “qual a importância deste tema em nossas vidas diárias? O que
já compreendo ou estou aprendendo ao estudar mais sobre este tema? Como
praticar este tema na minha vida de forma a ser melhor, construir melhores relacionamentos e também construir uma melhor sociedade? Quais experiências tenho a respeito?”. Desta forma visaremos
dar vida aos
desgastados temas de “ser melhor”, “ser feliz”, “fazer um mundo melhor” e
“fazer o bem”. Este objetivo se baseia no princípio humanista de que ao
aperfeiçoar o indivíduo é que se chega a aperfeiçoar a sociedade, fundamentando-se
ainda também no que foi dito por Spinoza, que mais vale ensinar as virtudes do
que somente condenar os vícios.